Sexualidade depois dos 70
“Como é a sexualidade depois dos setenta? Os afetos e emoções não têm idade. Foi este o ponto de partida para o debate desta quinta-feira à tarde na Universidade Lusófona, em Lisboa. Em conversa com o Expresso, o psicólogo e sexólogo Fernando Mesquita, autor dos livros “Aprender a Amar” e “SOS Manipuladores” e um dos participantes, alertou para o facto de a sociedade portuguesa ainda não reagir com bons olhos a esta realidade
Ainda há muito tabu em volta da sexualidade na 3ª idade? Sim. Na nossa sociedade existe de facto algum preconceito em termos da sexualidade numa fase mais avançada da idade. Basta pensarmos que, no caso dos lares, muitas vezes os casais que estiveram a viver juntos alguns anos são separados. Até mesmo quando o parceiro ou parceira de alguém falece, e essa pessoa quer arranjar alguém, novo parceiro/a, os filhos muitas vezes veem isso de uma forma negativa. “Já não tens idade para arranjar outra pessoa.”, dizem os filhos às mães ou pais. E procuram de alguma forma impedir que o façam.
Procuram boicotar uma hipótese de uma nova relação dos pais? Exatamente. Muitas vezes são os filhos a procurar boicotar a sexualidade dos pais idosos. Acham que os pais já não têm idade para arranjar uma pessoa, que já não faz sentido naquela fase da vida estarem a meter-se ‘naquelas coisas’. E isto aplica-se tanto no caso dos homens mais velhos como das mulheres.
É como se fosse suposto já se terem reformado do sexo, do amor, dos afetos mais íntimos? Sim. Essa procura do afeto pelos mais velhos é ainda vista com maus olhos. Quando falamos de sexualidade, as pessoas associam só ao sexo. Mas de facto sexualidade é muito mais do que isso, é afecto, é emoção, são partilhas.
E ainda mais quando estamos a falar de sexualidade na 3ª idade, em que o corpo já não é o mesmo, o desempenho sexual já não é o mesmo, mas está lá a vontade de amar, não é? Exatamente. A parte emotiva continua lá. A sexualidade não se limita à parte genital, mas principalmente à parte emocional, relacional. Importa perceber que cada pessoa deve poder viver a sua própria vida como quer, com quem quer, independentemente da idade que tiver.
E os lares estão preparados para isso? Infelizmente não. Muitas vezes é mal encarado pelos responsáveis do lar se começa a surgir ali um relacionamento entre dois idosos que até então não se conheciam. Muitas vezes pensam que essas pessoas não estão na plena faculdade da sua consciência. E que não tem lógica nenhuma em idades avançadas estarem a procurar alguém.
Essas relações iniciadas numa fase madura, não resolvem os males da solidão? O isolamento sem dúvida é a causa de muitas depressões e angústia. Uma pessoa nessa fase da vida precisa de maior apoio e se uma relação afectiva lhe é impedida logo à partida, é complicado. Estas pessoas têm o direito a continuarem a serem felizes da forma que bem entenderem. E a solidão é mesmo um tema nesta fase da vida. Não é raro ouvirmos falar do abandono dos próprios filhos. Da falta de apoio das pessoas que são mais próximas. Por outro lado, muitos deles foram vendo partir muitos dos amigos e familiares que estavam com eles, com esse idosos. Portanto, cada vez mais as pessoas vão-se sentido isoladas. E, por vezes, querem voltar a criar laços emocionais, afetivos, para que não se sintam sós. Claro que também temos que ver que nem todas as pessoas com uma idade avançada procuram preencher uma parte afectiva. É aceitar que essas pessoas tenham controlo na sua vida. Não é por as pessoas estarem sozinhas na velhice que têm que encontrar obrigatoriamente alguém.
Uma sexualidade ativa até à velhice dá maior qualidade de vida? Apesar de se achar que a partir de determinada idade o homem vai ter disfunção erétil, ou a mulher vai deixar de ter desejo sexual, isso não é de todo verdade. Isso pode acontecer ou não. Depende da qualidade de vida que se teve até então. Uma pessoa que fumou, bebeu, que tem alguns problemas de saúde, se calhar vai ter maiores repercussões na sexualidade mais tarde do que uma pessoa que teve uma vida mais saudável.
É psicólogo e sexólogo. Chegam-lhe ao consultório casos destes, de pessoas ou casais depois dos 70 anos, a pedir apoio? Qual a principal motivação? Muitas vezes alguns casais mais idosos procuram ajuda psicológica e terapêutica porque os filhos ou familiares não vêem com bons olhos a nova relação que estão a viver. Uma situação que, por vezes, pode implicar questões económicas. Porque se o pai ou a mãe arranja alguém, um parceiro/a, então vai repartir aquilo que supostamente o filho ou a filha pensava que era só para si...
É muitas vezes a grande preocupação dos familiares… Sim, sim. Os filhos questionam: “Porque é que estás a gastar nisso, com essa pessoa? Não faz sentido.” Mas também encontramos filhos que dizem: O dinheiro é teu, estás à vontade.” O importante é cada pessoa viver cada dia como se fosse o último. E isto até o fim da vida.
Fonte original: Jornal Expresso